sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O Tio Sukita Versus Vovó Havaianas

Minha tese é de que a polêmica gerada pelo comercial de Havaianas, no fundo, era essa: o Tio Sukita, o coroa que arrasta a asa para cima das menininhas, pode. A Vovó Havaianas, que afinal reconhece no galã que entra no restaurante um bom candidato a uns beijos e a uns amassos (para sua neta, não para ela!), independente de o mocinho ser para casar ou não, não pode. Velhinhas assim devem ser banidas. A começar, de nossas sacrossantas telas de TV, onde só devia passar a entusiasmante Missa do Galo e exorcismos evangélicos bem coreografados.

As famílias com mais problemas de falar abertamente sobre sexo sentiram o comercial como um tapa na cara. Imagine o núcleo familiar, na sala de TV, com um milhão de tabus gerando silêncios pétreos entre as pessoas, com um pai e uma mãe repressores, autorreprimidos e frustrados, filhos mudos e neuróticos, e uma avó que finge cada dia mais ser e ter sido tão assexuada quanto a Virgem Maria (nessas famílias, não sei por que, o avô sempre morre antes. Talvez de tédio ou de raiva). De repente, aparece na tela uma vovozinha mostrando cumplicidade, proximidade, simpatia e empatia com a neta. Isso é uma ofensa mortal. Tem que estar errado. Temos que apedrejar. Porque se estiver certo, vamos nos enxergar feios demais no espelho. E ninguém suporta se reconhecer assim. Então o caminho é destruir as diferenças que evidenciam, por constraste, nossa própria tosquice.

Postei isso ontem e a discussão pegou fogo. Que bom. No calor da contenda, surgiu uma outra tese: o problema não seria a libido das mulheres maduras, mas a idéia do sexo livre, o incentivo ao sexo fora do casamento, a apologia do sexo sem compromisso. As moças, que, claro, nunca pensaram nisso, que nunca praticaram nada disso, seriam hipnotizadas pela herética mensagem implícita no comercial da Almap e sairiam por aí como zumbis sexuais atacando galãs inocentes, aplicando-lhes belíssimos pegas e vem-cá-meu-bem, ao invés de se guardarem para garantir um altar no final da história. (Talvez a angústia de alguns pais seja o fato de que sem casamento as filhas não sairão das suas casas e das suas guardas. Na cabeça deles, liberado o test-drive, os rapazes não precisariam mais comprar o carro depois de dirigi-lo.) Enfim: o filme de Havaianas seria uma tremenda má influência e estaria espalhando a corrupção, a dissolução moral pela juventude brasileira.

É assim que a cruzada conservadora se justificou aqui no blog: mudando o foco da caça às bruxas - das feiticeiras mais velhas para as mais jovens. A perseguição, no entanto, continua a mesma: às mulheres e ao direito delas ao sexo, a disporem do seu próprio corpo para o prazer. Não por acaso, ao menos aqui nesse foro (até aqui o placar é 32 a 2 para quem está incomodado, como eu, com a chinelagem que aprontaram para cima do comercial), foram os homens que levantaram as bandeiras mais reacionárias. Isso reforça meu ponto: toda essa reação desproporcional ao filme de Havaianas é, no fundo, uma questão de gênero. Uma intolerância masculina. Há homens (criados por mulheres, lembremos sempre disso) que não suportam ver mulheres sexualmente ativas, interessadas, com a libido acesa. Sejam elas mulheres mais velhas (porque tem muita idade), sejam mulheres mais novas (porque tem pouca idade), seja qualquer mulher - porque mulher que se preza tem que desgostar de sexo e tomá-lo apenas como uma obrigação de esposa, como uma necessidade dos seus maridos que elas têm de satisfazer. Qualquer outra postura é coisa de rameira. (Essa palavra, inclusive, que eu só conhecia dos irônicos folhetins de Dias Gomes, apareceu aqui dita à vera.)

Alguém me diz que quando eu tiver uma filha vou entender. Eu tenho uma irmã, que zelo como se fosse minha filha. E, honestamente, desejo a ela uma vida plena. Desejo que ela realize todos os seus desejos, os seus planos, as suas vontades - inclusive sexuais. Porque essa vida passa muito rápido e é preciso vivê-la. Vou ajudar em tudo que puder para que minha filha ou irmã não engravide a contragosto, para que não contraia doenças, para que o sexo seja para ela sempre um exercício de alegria, de prazer, de autoestima, e jamais uma ferramenta de autodepreciação ou de desprazer de qualquer ordem. Não lhe desejo uma vida sexual frenética nem lhe desejo uma vida sexual parada: lhe desejo a vida sexual que ela quiser ter, do jeito que ela quiser ter, na medida exata daquilo que lhe fizer feliz. Porque qualquer outro desejo seria uma intromissão minha, dos meus parâmetros, do meu juízo, na vida dela. E eu estou me esforçando para ter uma pessoa autônoma, independente e realizada consigo mesma. Desejo, no máximo, que minha irmã tenha mais leveza para curtir mais situações e mais pessoas vida afora do que eu consegui curtir, sob a sombra da Aids, nos caretésimos anos 80. Ah, sim. E outra, também sou jovem, tenho a minha vida sexual ativa, a maneira que eu bem entendo. E desejo a ela rigorosamente as mesmas coisas. Sem tirar nem por.

Um comentário:

  1. Gostei de sua análise, é assim mesmo que a sociedade se comporta. Por isso existe tantas mulheres sendo estrupadas diariamente por seus própios parceiros, pois foram educadas de tal forma que o simples tocar em sua genitália é algo repressor e quando se deparam com a convivência a dois é tomada de tal forma que suas vontades e desejos para ela mesma se torna algo errado, repressor. Enquanto isso os homens desde cedo são estimulados a se tocarem como algo fantástico, inclusive pelas mulheres. Para os homens as mulheres tem que lhe satisfarem para as mulheres o suplício de ter que corresponder. Para o homem pode tudo para as melheres nada pode. Portanto abaixo a hiprocrisia e vamos tratar dos temas de forma aberta é responsável, e não seria um comercial como o que está em discussão que iria influenciar e até revolucionar o comportamento de quem o assiste. Quem tem referencial não se deixa levar por esse ou aquele e sim o analisa.O que tem que haver é uma conversa coms os filhos para que eles respeitem as mulheres e não as tratem como se as fossem atrises pornô, pois elas não são. E para as filhas que não se permitam a nenhum tipo de violência, pois ninguém é de ninguém e quem ama cuida.

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